20 setembro 2019

Em busca de alimento, migramos: a responsabilidade coletiva por um futuro sustentável

O contexto das múltiplas crises que vivemos atualmente promove uma nova onda migratória, como aconteceu no século passado, em decorrência das duas grandes guerras mundiais. Hoje a Europa tem a questão migratória como um problema dos mais urgentes da sua pauta político-social, gerando reflexos nas políticas locais de cada país. Embora com menor repercussão, o tema também diz respeito aos outros continentes, como a América do Norte e a do Sul (1). A médio prazo, porém, a migração certamente tende a tornar-se uma questão global.

Pessoas de diferentes países, com suas respectivas culturas, tradições e estilos de vida, são forçadas a abandonar tudo o mundo que conheciam e tudo o que construíram com suas famílias e comunidades para buscar o alento de um novo um lar, na esperança de ter condições mínimas de dignidade e um convívio pacífico em outro lugar. Esse movimento, que por si só já expõe a graves riscos a própria vida desses migrantes, na maior parte das vezes, como o que ocorre nas travessias por mar, ou enfrentando matas e desertos, ou ainda tendo que atravessar áreas em conflito armado, não garante que a chegada seja pacífica e acolhedora (2).

A recente onda migratória, que teve seu auge em 2015 na Europa, foi um dos elementos desencadeadores das políticas nacionalistas e de reações xenofóbicas que temos presenciado em vários países, colocando em risco o percurso de promoção de paz e dignidade humana, finalidade principal da Organização das Nações Unidas – ONU, em respeito aos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e resulta numa das mais graves crises humanitárias desde os anos 1940, com as dramáticas consequências da Segunda Guerra. O que é preciso compreender é que essa crise é desencadeada por vários fatores, sobretudo pelas questões econômicas e ecológicas, que se somam ou mesmo são causadas pelas situações de guerra, que acontecem ao redor do globo.

Cidades que são arrasadas por conflitos bélicos têm sua infraestrutura social e econômica destruídas e as condições básicas para uma vida civilizada comprometidas (3), deixando milhares de pessoas em condições críticas de sobrevivência (4). Ao mesmo tempo, há países vitimados por catástrofes ambientais, como foi o caso dos terremotos no Haiti, do furacão recente nas Bahamas, do ciclone em Moçambique, entre outros eventos desse porte, que igualmente têm como consequência um processo de êxodo em busca de outros lugares para habitar, com mais segurança e condições dignas para viver. Por outro lado, fatores econômicos e políticos também impulsionam a migração, assim vem acontecendo na Venezuela, México, Honduras e mesmo no Brasil.

Quaisquer desses fatores que desencadeiam a onda migratória trazem junto um elemento em comum: a precariedade da condição de subsistência em determinadas regiões do planeta e a carência de produção de alimentos. Muitas das vezes, a escassez hídrica é o fator que está na base dessas crises, geradas por disputas regionais em torno de áreas agrícolas produtivas, e da própria água, como fator determinante para a infraestrutura urbana e todo tipo de processo industrial. Somália e Nigéria são exemplos dessa realidade, que também é presente em deslocamentos internos, como, por muitos anos, se deu a partir do nordeste brasileiro para as demais regiões do país (5). Por outro lado, países empobrecidos têm dificuldade em implementar medidas de igualdade do acesso à água como um bem essencial, por carência de recursos e políticas públicas voltadas ao interesse coletivo. Isso resulta em comunidades sem saneamento, saúde e alimentação adequadas. Sem água, não há agricultura ou indústria. Sem água não há alimento, não há vida.

Eventos climáticos extremos tendem a ser o principal fator para colocar em risco a segurança alimentar e deslocar pessoas de seus habitats (6). Chuvas torrenciais, enchentes, tornados, ciclones, furacões, costumam deixar rastros de destruição, em especial na produção agrícola. Ao mesmo tempo, temperaturas extremas vêm promovendo a desertificação dos solos. Solos pobres que são submetidos a uso intensivo e sem descanso, além da sobrecarga de agrotóxicos e insumos químicos afins, tendem a sofrer com erosão e tornarem-se inférteis. O aumento do nível dos oceanos, que resulta do aquecimento global, também já se torna motivo para a migração, a perda da biodiversidade e a segurança alimentar (7).

Tudo indica que vamos conviver com processos migratórios intensos nas
próximas décadas, e que o cuidado, a solidariedade com o outro e a preservação ambiental são atitudes que podem nos assegurar alguma capacidade de ter alimento e condições dignas de vida para todos, pois a biodiversidade é um elemento chave para a nossa sobrevivência no planeta.

É preciso compreender que, afinal, somos todos habitantes de uma mesma casa planetária. Sofremos juntos, portanto, as consequências das ações humanas (guerras, insustentabilidade ecológica, xenofobia), e precisamos encontrar modos de construir juntos um futuro possível e sustentável.

  1. https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2018/12/07/interna_internacional,1011409/os-principais-fluxos-migratorios-nos-ultimos-anos.shtml
  2. https://g1.globo.com/mundo/noticia/conheca-os-principais-episodios-da-crise-migratoria-na-europa.ghtml
  3. http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-09/crise-dos-imigrantes-tragedia-de-quem-nao-quer-perder-esperanca
  4. https://www.dw.com/pt-br/not%C3%ADcias/migra%C3%A7%C3%A3o/s-101518
  5. https://www.revistaencontro.com.br/canal/atualidades/2018/03/escassez-de-agua-e-um-fator-para-migracoes-e-imigracoes.html
  6. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/589305-a-mudanca-climatica-causa-mais-migracoes-do-que-guerras-e-fatores-economicos
  7. https://migramundo.com/migracoes-ambientais-uma-consequencia-das-mudancas-e-desastres-naturais/