28 agosto 2019

Futuro amargo: a extinção das abelhas

Uma das questões que tem chamado a atenção com relação à perda e proteção da biodiversidade é a mortandade de um grande número de populações de abelhas em todo o mundo, e especialmente na região sul do Brasil. Como pode uma espécie de inseto causar tanta discussão e preocupação? – poderíamos pensar, desavisadamente.

O caso das abelhas, como espécie ameaçada de extinção, é uma advertência séria e real sobre a gravidade e inadequação de certas práticas que adotamos como corretas, nas nossas relações de produção e consumo, mas que se vêm totalmente dissociadas do contexto ecossistêmico, e, portanto, das bases naturais indispensáveis à sustentabilidade econômica. O alerta sobre as abelhas vem demonstrar a interdependência que nós, seres humanos, temos e sempre teremos com relação ao mundo natural, por mais tecnologias, aparatos e inventos engenhosos que possamos desenvolver.

Além da produção de mel e seus derivados, inclusive fármacos, são esses insetos, que passam quase desapercebidos por nós, os responsáveis pela polinização de 73% de todos os vegetais do planeta, inclusive por cerca de 50% de todas as 141 espécies de plantas que são cultivadas no Brasil 1 . Isso significa que a produção dos alimentos que abastecem as nossas feiras e supermercados, como legumes, grãos, frutas e verduras, depende tanto da ação humana quanto desses seres tão singelos e ao mesmo tempo tão importantes, que são as abelhas. Mesmo nas lavouras plantadas diretamente, elas influenciam incrementando em 18% a produtividade, segundo a Embrapa 2 .

No primeiro trimestre de 2019, de acordo com a Agência Pública 3 , cerca de 400 milhões de abelhas morreram apenas no Estado do Rio Grande do Sul, além de outras 40 milhões em Santa Catarina, 45 milhões no Mato Grosso do Sul e 7 milhões em São Paulo, o que causou um alerta da própria ONU receando a provável redução na produtividade e escassez de alimentos resultante dessa mortandade. As abelhas estão sendo envenenadas pelas substâncias contidas nos agrotóxicos, tais como o glifosato (afeta o senso de navegação das abelhas), os neonicotinóides (tal como a nicotina vicia, essa substância causa dependência química e morte nas abelhas), e o fipronil (que tem efeito letal sobre esses insetos – causa das mortes no Rio Grande do Sul) 4 .

A prática da monocultura, como é o caso da soja, acaba por desencadear esse tipo de problema, pois afeta a qualidade nutricional do néctar e pólen, que lhes servem de alimento, alterando sua capacidade reprodutiva. Além disso, a monocultura demanda uma carga elevada de veneno, envolvendo o uso intensivo de agrotóxicos que são, em sua maioria, inseticidas ou fungicidas. As abelhas envenenadas acabam por perder o rumo da colmeia, ou quando conseguem retornar contaminam as demais, pondo a perder a vida de milhares de abelhas em questão de horas 5 . Há, ainda, as abelhas silvestres que vivem nas matas, cuja população também deve estar sendo bastante afetada, embora não haja tantas informações e dados computados a respeito. Mas, certamente há prejuízo junto a essas populações também. A perda do habitat está entre os fatores de maior risco.

Segundo reportagem da Gazeta do Povo 6 de abril deste ano, as abelhas injetam R$ 43 bilhões na agricultura brasileira todo ano, associadas à produção das lavouras de soja, café, laranja e feijão, entre outras. Isso significa que é preciso dar visibilidade aos serviços ecossistêmicos que a natureza realiza, e dos quais nos apropriamos sem nem o cuidado de preservar e viabilizar a sua manutenção. Além do uso dos agrotóxicos, responsáveis pelas recentes mortes de milhares de abelhas no Brasil, outros fatores que contribuem para a ameaça de extinção são o desmatamento, a poluição, as mudanças climáticas, a presença de espécies invasoras e agentes patogênicos.

Os apicultores, que são diretamente afetados por essas perdas, vêm mapeando e analisando as possíveis causas, para reclamar judicialmente o ressarcimento pelos prejuízos de inúmeras colmeias e na produção de mel. No entanto, outros danos muito mais extensos são os que podem ocorrer, caso não se restrinja o uso desses venenos aplicados indiscriminadamente sobre as lavouras, cujos efeitos são lesivos em diferentes níveis, tanto ao ecossistema, à economia e à própria segurança alimentar, de que depende a humanidade e demais seres vivos, prometendo a todos nós um futuro amargo.

O que podemos fazer a respeito? Cada segmento da sociedade tem uma contribuição possível. É claro que quem pode efetivamente evitar essa extinção em massa são os próprios agricultores. Medidas que vão desde a redução do uso de pesticidas aos métodos de aplicação, podem fazer grande diferença, como explicam os técnicos da Embrapa 7. Aos órgãos ambientais compete fiscalizar e punir as práticas lesivas ao meio ambiente, à população cabe mobilizar-se e reclamar dessas práticas que representam danos coletivos de larga escala.

É o nosso futuro, a nossa alimentação e saúde que estão em jogo, e as abelhas são nossas aliadas naturais, como um dos mais importantes polinizadores. Abelhas são agentes que promovem a biodiversidade. Podemos agir de forma a colaborar com o trabalho que elas desempenham naturalmente, ou prejudicá-las e agredi-las até à sua extinção: nesse caso todos sairemos perdendo.

1 https://www.greenpeace.org.br/salve-as-abelhas
2 https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Meio-Ambiente/noticia/2019/05/apicultores-brasileiros-encontram-meio-bilhao-de-abelhas-mortas-em-tres-meses.html
3 Idem

4 Vide matéria Greenpeace.
5 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-04/agrotoxicos-encurtam-vida-e-modificam-comportamento-de-abelhas
6 https://www.gazetadopovo.com.br/agronegocio/agricultura/outras-culturas/de-graca-abelhas-injetam-r-43-bilhoes-na-agricultura-brasileira-todo-ano-0dzanm5n00ycjjjc40i9n3skh/

7 https://www.gazetadopovo.com.br/agronegocio/agricultura/outras-culturas/de-graca-abelhas-injetam-r-43-bilhoes-na-agricultura-brasileira-todo-ano-0dzanm5n00ycjjjc40i9n3skh/