04 dezembro 2019

Outras sensibilidades

A biodiversidade é um fator determinante para a qualidade e saúde do meio ambiente natural. A variedade múltipla de plantas e animais existentes no planeta que compreendemos no termo biodiversidade, deve-se, em grande parte, à diversidade de culturas que ocuparam e/ou ocupam diferentes territórios e estabelecem relações harmônicas com a natureza, cultivando e protegendo espécies da fauna e flora. 

A interação homem/natureza não é – nem precisa ser – necessariamente danosa. Muito pelo contrário, e a experiência dos povos tradicionais nos dá conta disso. Aplicando conhecimentos ancestrais no trato da natureza, populações ribeirinhas, povos habitantes da floresta, indígenas, pescadores, por exemplo, aprenderam não apenas a conservar o equilíbrio ecossistêmico de seus habitats, como tirar seu alimento e sustento da natureza respeitando seu ritmo próprio e proporcionando o conhecimento e a compreensão das interações produtivas que geram ganhos em qualidade ambiental para humanos e para a natureza.

O resgate de saberes tradicionais desempenha um papel muito importante na produção científica e revela alternativas em termos de fontes nutricionais e medicinais, por exemplo. Projetos de agroecologia e de “farmácia viva” inspirados nesses saberes multiplicam o alcance dessas práticas sustentáveis e beneficiam milhares de pessoas e a partir deles têm sido feitas importantes descobertas que podem salvar vidas. O conhecimento da imensa diversidade da fauna e flora silvestres por essas populações é fruto do convívio diário, da observação e do desenvolvimento de outras sensibilidades com relação à natureza e dos diferentes modos de valorização de sua própria cultura e das práticas coletivas. Os povos tradicionais representam a memória sensível de uma vivência humana diversa que tem um valor inestimável.

Ao mesmo tempo que esses fatores instigam o interesse e o respeito pelos conhecimentos dos povos tradicionais, em função da resiliência ecológica que proporcionam, também nos levam à valorização da própria diversidade com relação aos modos de enxergar e sentir o mundo, que varia conforme o lugar onde nascemos, a compreensão de mundo e de nós mesmos, enquanto seres inseridos no contexto em que vivemos. Por certo que a experiência que os povos habitantes da floresta ou de ambientes desérticos não são as mesmas que vivenciamos nas cidades no sul do Brasil, pois o contexto socioambiental influencia no nosso modo de perceber as influências do ambiente natural e na nossa compreensão das interações ecossistêmicas.

Nos ambientes urbanos, a intermediação das soluções tecnológicas e dos meios artificiais nos tornam menos sensíveis à percepção das nuances de variação do clima, das características peculiares do ambiente natural e dos resultados das interações com a escassa presença de fauna e flora nesse contexto. Assim como, em outro nível, a experiência de um viver feminino não é o mesmo que um viver masculino, e o da criança é diferente do adulto. São modos e perspectivas de ver o mundo e interagir, diferentes uns dos outros, mas complementares e necessários.

A riqueza que os conhecimentos dos povos tradicionais em sua ancestralidade e intimidade com a natureza proporcionam são vitais para a sobrevivência e resistência da humanidade em tempos de crise climática. Com a tendência à intensificação dos eventos climáticos, como chuvas torrenciais, ciclones, largos períodos de secas, temperaturas muito elevadas ou baixas, alterando a fertilidade dos solos e produção de alimentos, entre outras consequências, o conhecimento da biodiversidade, a produção de cultivos alternativos, os modos agroecológicos e a produção agroflorestal se tornam vitais para a resiliência em tempos difíceis.

O respeito às diversidades – sejam de caráter cultural, de gênero, e de experiências de vida – é crucial para a compreensão e valorização do humano, para o respeito consigo próprio e com a humanidade. Esse quadro nos indica cada vez mais a necessidade de se promover o cuidado e a atenção às sensibilidades de cada um, de modo a fomentar um convívio harmônico e produtivo em termos comunitários e ecossistêmicos.

Toda diferença no modo de ser é fonte de conhecimento, de beleza, de alegria, de desenvolvimento das capacidades cognitivas e sensíveis imprescindíveis à nossa própria condição humana. É na diferença que aprendemos, que despertamos a mente curiosa e experimentamos outras formas de viver. E é justamente uma forma mais sustentável, criativa, empática e pacífica que precisamos promover: a harmonia na diversidade pela vida presente e futura.