28 agosto 2019

Saúde e biodiversidade

À medida que conhecemos mais sobre saúde e nutrição, o que vem ocorrendo cada vez com mais intensidade, em razão da busca pelo bem-estar e corpo perfeito, tomamos conhecimento de que grande parte dos alimentos que estão no prato da maioria das pessoas é fraca em nutrientes ou, mesmo, pode causar algum tipo de problema quando consumido em doses exageradas.

As recomendações dos especialistas em alimentação saudável destacam mais e mais a importância de abandonar alimentos que contenham elevado teor de açúcar, sal, conservantes, colorantes, em face dos riscos que representam a longo prazo, gerando problemas crônicos de saúde. A opção saudável, afirmam, é aquela que compreende um leque variado de fontes nutritivas e produzidas sem ingredientes artificiais. Ou seja, que a fonte primeira seja a própria natureza, capaz de fornecer nutrição de modo pleno e equilibrado, dispensando os complementos tão comuns atualmente nas dietas de crianças e adultos.

A relação entre a produção e consumo de alimentos e a saúde de uma população é direta. Alimentação viciada, ou seja, sempre igual, e artificialmente enriquecida de certos elementos acabam por gerar problemas de obesidade, diabetes, pressão arterial elevada, tornando as pessoas dependentes de tratamentos médicos e uso contínuo de remédios, sujeitas a situações de crise e aumento do risco de vida. Essa tem sido uma das preocupações da FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, responsável pelas políticas globais relativas à alimentação.

Os relatórios da FAO revelam que, embora haja um crescimento nos níveis alimentares, no caso da América Latina e Caribe, a qualidade alimentar é preocupante, deixando a desejar com relação aos níveis de nutrição e pelas características de elevado índice de obesidade e consumo de alimentos de baixa qualidade alimentar, que geram desnutrição, anemia e doenças crônicas. Ao mesmo tempo, indica o relatório publicado em 2017 1 , a ampliação das áreas de plantação agrícola não significa aumento na qualidade alimentar. Pelo contrário, os altos níveis de usos de insumos químicos, degradação do solo, perda da biodiversidade e desmatamento, são altamente preocupantes e não-sustentáveis.

A atenção dos organismos internacionais para com o fomento da alimentação saudável e mesmo da segurança alimentar é um dos eixos da política da ONU para o milênio 2 . Cenários de risco relacionados a fatores climáticos, aliados à necessidade de medidas para uma economia que respeite os limites da natureza, exigem respostas efetivas de reposicionamento global e local nesse sentido. A inclusão da segurança alimentar entre os ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, está voltada à adoção de práticas de produção e consumo sustentáveis, o que implica não apenas quantidade, mas que estejam atreladas à garantia da manutenção dos ecossistemas que tornam possíveis e garantem qualidade na produção de alimentos. As atividades que geram gases do aquecimento global prejudicam enormemente essa condição de segurança alimentar, pois a produção de alimentos depende diretamente das variações climáticas, assim como da água.

Segundo a FAO, uma alimentação saudável requer o consumo de alimentos frescos, não industrializados, ingestão de frutas, verduras, e grãos variados. Assim, entre as medidas recomendadas estão a rotulagem correta das embalagens e as políticas para gerar oferta de alimentos saudáveis, como é o caso da agricultura familiar. Os pequenos produtores familiares têm sido os responsáveis por colocar no mercado legumes, frutas e verduras, indispensáveis à alimentação saudável, e por isso devem ser integradas à cadeia de valor de modo a que todos tenham acesso a esses produtos. No mesmo sentido, a FAO reconhece e estimula a produção sustentável pelas comunidades ribeirinhas, indígenas, pastores e pescadores, que produzem alimentos ao mesmo tempo em que resguardam a biodiversidade e protegem os ecossistemas.

O objetivo 2 dos ODS 4 é “fome zero e agricultura sustentável”. Esse objetivo se desdobra em outros 5, entre os quais o que prevê alcançar até o ano de 2020 a manutenção da “diversidade genética de sementes, plantas cultivadas, animais de criação e domesticados e suas respectivas espécies selvagens, inclusive por meio de bancos de sementes e plantas, diversificados e adequadamente geridos em nível nacional, regional e internacional, visando garantir o acesso e a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados”.

Uma diversidade maior de fontes alimentares é garantia de melhor resiliência às adversidades do clima, além de proporcionar mais variedade e qualidade alimentar de um modo em geral. 5 O declínio na biodiversidade afeta os serviços ecossistêmicos de polinização, controle de pragas, microorganismos que contribuem com a fertilidade do solo, e a manutenção da cadeia alimentar nos ambientes de bosques e florestas. A vida se precariza para toda a fauna e flora, logo, também nós estamos sendo gradativamente atingidos pela perda da biodiversidade que só faz aumentar os riscos de catástrofes relacionadas ao clima.

O desconhecimento sobre a biodiversidade faz com que muitas espécies que poderiam contribuir com a alimentação e a saúde sejam ignoradas e extintas entre as tantas que vêm sofrendo com a degradação dos biomas, como na realidade brasileira vem ocorrendo ostensivamente com o Cerrado, a Mata Atlântica e a Amazônia. A proteção da biodiversidade e dos conhecimentos a respeito dela implica o cuidado também para com a diversidade cultural, especialmente em países com o Brasil, que tem a riqueza de uma variedade ímpar de etnias e povos cuja cultura comporta saberes seculares sobre a natureza.

As condições para implementar iniciativas de segurança alimentar incluem, além dos compromissos de políticas públicas, do apoio e envolvimento das comunidades nos diferentes segmentos da sociedade civil. Requer investimento e práticas de incentivo à proteção dos bosques e florestas, produção orgânica e familiar que facilitem o acesso à terra para agricultura sustentável, transparência na informação, normas de ética publicitária relacionadas à divulgação de produtos alimentícios, entre outras medidas. Toda a sociedade pode e deve comprometer-se com esses objetivos. Hortas comunitárias, produção orgânica, incentivos à proteção da biodiversidade, práticas de produção e consumo sustentáveis podem fazer a diferença na qualidade da saúde alimentar para as gerações presentes e futuras.

1 http://www.fao.org/3/a-i6977o.pdf

2 http://www.fao.org/3/a-i6977o.pdf
3 “Os bosques e as árvores proporcionam a centenas de milhões de pessoas alimento, energia e renda, e atuam como uma rede de segurança durante épocas difíceis”. (tradução nossa) Relatório FAO El Estado dos bosques del mundo, p. XVI. Disponível em: http://www.fao.org/3/I9535ES/i9535es.pdf
4 http://www.agenda2030.org.br/ods/2/

5 http://www.fao.org/3/CA3129EN/ca3129en.pdf