20 setembro 2019

Temperaturas extremas e biodiversidade

A cada ano os efeitos no clima decorrentes do aquecimento global se fazem cada vez mais marcantes. Temperaturas acima dos 40º Celsius durante o verão e bem abaixo de 0º Celsius no inverno, seja no hemisfério sul ou no hemisfério norte, têm sido acompanhadas de uma série de eventos climáticos intensos, que provocam catástrofes ambientais, alguns deles com elevado número de vítimas.

Esse é o caso, por exemplo, do ciclone Idai (1) que arrasou Moçambique em março deste ano, deixando mais de mil mortos e 600 mil pessoas desabrigadas, e do furacão Dorian, nas Bahamas já no mês de setembro de 2019, tido como o segundo mais violento da História, conforme os registros oficiais (alcançando 295 km/h), em cujos rastros de destruição deixaram milhares de pessoas desaparecidas e sem abrigo, em grande parte dos territórios atingidos (2).

O degelo que vem ocorrendo com uma velocidade inédita no Ártico (3), bem como na Cordilheira dos Andes, nos Alpes e nos Pirineus, reclama nossa atenção sobre a urgência de medidas de prevenção e adaptação para uma nova realidade. É um grave alerta para os efeitos que as mudanças climáticas podem provocar na natureza, alterando significativamente o mundo como o conhecemos. Apenas no mês de julho recente, a Groenlândia perdeu cerca de 197 bilhões de toneladas de gelo e segundo os pesquisadores, um total derretimento da Groenlândia poderia causar uma elevação do nível do mar em até 7 metros em determinadas áreas do planeta (4).

Na Sibéria o derretimento do permafrost (5) já vem causando uma série de problemas que tendem a se ampliar, prejudicando as condições ambientais e trazendo graves danos à economia (6). O permafrost é uma densa camada de gelo que se mantém há milhares de anos, recobrindo determinadas áreas do globo terrestre e que reveste cerca de 25% do hemisfério norte. Além de expor uma vasta área à ação da atmosfera após milhares de anos, incorrendo no risco de fazer ressurgir vírus e bactérias até então desconhecidos (7) e aumentando a absorção de calor pela readiação solar, pela ausência da ação refletora do gelo (albedo), essas drásticas alterações provocam a migração forçada de animais, cujo habitat vem sendo destruído, como é o caso dos ursos polares (8). Sem alimento e abrigo adequado, esses animais acabam por aproximar-se de povoados e cidades, gerando uma série de transtornos e colocando em risco a vida desses animais e a sobrevivência da sua espécie (9).

Os ursos siberianos não são os únicos deslocados pelo clima, pois o mesmo fenômeno tem ocorrido com pinguins, tubarões e baleias (10). Esses animais, em seu esforço de adaptação, acabam por deslocar-se de seus ambientes próprios para outros mais distantes, enfrentando uma travessia à qual nem sempre conseguem sobreviver, e a adaptação às condições desses novos habitats nunca é algo simples ou fácil, por uma série de fatores, como a presença humana e outras circunstâncias incompatíveis com a sua permanência naquele ecossistema (11).

No ambiente marinho, o aquecimento global também vem causando graves danos, como é o caso – entre muitos outros – do branqueamento dos corais, em função da alteração na simbiose com as algas coloridas. Quando os corais perdem a sua vitalidade, há um prejuízo em cadeia para todo o ecossistema, dadas as funções de habitat e alimento que eles representam (12).

A escassez de água e o desmatamento são igualmente fatores que interferem nos habitats da fauna terrestre, alterando a rota de aves e pondo em risco a sobrevivência de inúmeras espécies (13). A nível microscópico, a preocupação dos cientistas se refere principalmente à proliferação de vírus e bactérias, que se beneficiam das temperaturas mais elevadas facilitando sua rápida reprodução.

Pesquisas indicam que a indústria alimentícia, entre outras, deve sofrer com esses processos migratórios e adaptativos da natureza, como é o caso da indústria pesqueira. Além disso, a exposição das espécies ao risco de extinção, com a drástica redução de sua população e a precarização das suas condições de vida, pode inviabilizar determinadas atividades econômicas, comprometendo a qualidade alimentar local e, reflexamente, planetária (14).

As previsões do IPBES (Painel Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) alertam sobre o aquecimento global e a tendência de que muitas espécies não resistam às temperaturas elevadas, e de que outras tantas percam seu habitat (15). Muitas formas de vida deixarão de existir, empobrecendo com isso também a vida humana, que será tristemente menos colorida e mais silenciosa.

Que medidas estamos tomando para evitar esse quadro? Estamos promovendo as adaptações necessárias para evitar ou reduzir as catástrofes dos eventos climáticos e os efeitos do clima no longo prazo? O que estamos fazendo para evitar que nossa inação provoque um verdadeiro “ecocídio”? A inação e a omissão sobre esses riscos depõem contra a nossa própria condição humana, como seres dotados inteligência e capazes de ações amorosas e solidárias, e testemunham contra a nossa ética e o respeito próprio. É preciso uma urgente conscientização sobre a iminência e a gravidade dos riscos associados ao aquecimento global, e a adoção de medidas práticas. A vida humana e dos demais seres da natureza está em jogo!

  1. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47622803
  2. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/06/internacional/1567795119_838793.html
  3. https://exame.abril.com.br/ciencia/o-sos-do-polo-norte
  4. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/17/opinion/1566060584_526453.html
  5. https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2018/12/11/interna_internacional,1012411
  6. https://ciclovivo.com.br/planeta/mudancas-climaticas/derretimento-do-permafrost-planeta-risco-climatico/
  7. https://www.bbc.com/portuguese/vert-earth-39905298
  8. https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/06/18/urso-polar-faminto-encontrado-a-800-km-de-seu-habitat-natural-na-russia.ghtml
  9. https://rr.sapo.pt/2019/02/11/mundo/arquipelago-russo-invandido-por-ursos-polares-declara-estado-de-emergencia/noticia/140772/
  10. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2019/04/26/a-catastrofe-que-matou-milhares-de-filhotes-e-fez-uma-colonia-de-pinguins-imperadores-desaparecer.htm
  11. http://conexaoplaneta.com.br/blog/presenca-de-baleias-cachalotes-no-artico-aumenta-temor-de-cientistas-sobre-aquecimento-dos-oceanos/
  12. https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/frear-aquecimento-global-a-unica-opcao-para-salvar-os-recifes-de-corais-21067297
  13. https://www.worldanimalprotection.org.br/not%C3%ADcia/7-impactos-da-mudanca-climatica-nos-animais
  14. https://marsemfim.com.br/mudancas-climaticas-ameacam-especies-animais/
  15. https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2019/05/07/extincao-de-especies-aumenta-em-escala-sem-precedentes-alerta-relatorio-do